#GuardiõesDaFloresta

Povos indígenas: é preciso proteger os protetores

Mobilização e resistência são os termos que melhor definem o ano de 2019 em relação aos povos indígenas. Não à toa, foi um período de acirramento da disputa pela terra e de ofensivas sobre os direitos dos povos originários. Crimes como grilagem, roubo de madeira e até a venda de lotes dentro de terras indígenas homologadas dispararam e, consequentemente, a violência, resultando na morte de várias lideranças locais. O propósito é bastante claro: disponibilizar as áreas protegidas e os bens comuns nelas existentes – água, biodiversidade, madeira, minérios etc. – para a expansão da fronteira agropecuária e o mercado de commodities.

O Greenpeace mais uma vez esteve ao lado dos povos indígenas, seja por meio de ações próprias ou atividades em conjunto com outras organizações, como protestos e mobilizações, oficinas de capacitação técnica nos territórios, e articulação política em defesa dos seus direitos originários.

+ de 1 milhão de assinaturas foram reunidas no abaixo-assinado internacional Sem Floresta, Sem Vida que lançamos em 21 de março, Dia Internacional das Florestas. A proposta é entregá-la ao governo brasileiro para explicitar que todos queremos a Amazônia em pé.

Juntos no Acampamento Terra Livre (ATL)

O Greenpeace foi um dos parceiros envolvidos na realização da maior mobilização indígena nacional, em Brasília, que, em 2019, aconteceu entre 24 e 26 de abril e contou com a presença de quatro mil indígenas de 170 povos das cinco regiões do país.

Enquanto nosso time de comunicação apoiou a produção de conteúdo, incluindo a cobertura audiovisual e o atendimento à imprensa nacional e internacional durante a mobilização, o nosso time de operações deu suporte à realização de uma grande manifestação pacífica: o clamor por “Justiça”, feito com 1.600 lâmpadas de LED colocadas em frente à Praça dos Três Poderes, que deu origem a esta imagem que rodou o mundo:

Uma semana antes do ATL, nossos voluntários organizaram em 20 cidades brasileiras uma mobilização em solidariedade aos povos indígenas, composta de palestras, exposições fotográficas, rodas de conversa e coleta de assinaturas para o abaixo-assinado “Sem Floresta, Sem Vida”.

Em paralelo, ativistas em 11 países ao redor do mundo, como Argentina, Alemanha, Holanda e Estados Unidos, protestaram em frente às embaixadas brasileiras, segurando fotos de indígenas de Rondônia e mensagens como “Apoie os Guardiões da Amazônia”.

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© Christian Braga / MNI

Registrada durante o ATL, a foto da coordenadora da Apib, Sônia Guajajara, se tornou não apenas o símbolo da luta, mas da força da mulher indígena. “Fico feliz em ver que essa foto tem sido usada amplamente nos materiais sobre a mulher e a luta indígena. Elas são o exemplo de como é viver lutando, sem baixar a cabeça, mesmo sentindo dor, raiva e tristeza pelo que ainda acontece com seus povos”, diz o fotógrafo Christian Braga, que fez a cobertura do ATL pelo Greenpeace.
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A força das mulheres por seus direitos

Pode-se dizer que em 2019 a luta pelos direitos se tornou ainda mais feminina. Além do ATL, o Greenpeace também apoiou e esteve presente em outro evento protagonizado por elas: a 1ª Marcha das Mulheres Indígenas, realizada entre os dias 9 e 14 de agosto, na capital federal, que reuniu 1.500 participantes. Com o lema “Território: nosso corpo, nosso espírito”, o evento antecipou a  edição da Marcha das Margaridas, que reuniu camponesas, quilombolas, ribeirinhas, pescadoras, sem-terra e mulheres de diversas outras comunidades tradicionais, além das indígenas, de todo o país em uma gigantesca manifestação em defesa de seus direitos.

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Mulheres indígenas e o clima

Em junho , 44 mulheres indígenas de cinco povos do Maranhão (Krikati, Awá, Gavião, Ka´apor e Guajajara), um do Pará (Tembé), um do Tocantins (Krahô) e um de Roraima (Macuxi) se reuniram em Carolina (MA) para a realização da oficina Mulheres Indígenas e o Impacto das Mudanças Climáticas. Elas se debruçaram sobre temas ainda não muito conhecidos, como desenvolvimento econômico, globalização e economia verde, no contexto do aquecimento global.

“Nós, mulheres, somos as primeiras a sentir e observar os impactos e as mudanças do clima no nosso cotidiano, porque temos uma relação especial com a natureza e o território. Somos nós também que guardamos as sementes e passamos este e outros conhecimentos para as novas gerações, inclusive os diferentes modos de fazer a proteção territorial.” Edilena Krikati, conselheira da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab)
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Todos os Olhos na Amazônia

Para além da mobilização, a defesa dos territórios indígenas também contou com diversas oficinas de capacitação técnica e de articulação política entre os povos, coordenadas pelo projeto Todos os Olhos na Amazônia. Esta iniciativa em rede formada pelo Greenpeace, com diversas outras organizações locais e nacionais, é financiada pela loteria holandesa e tem atuação também no Peru e no Equador. No Brasil, acompanhe as atividades realizadas nos três territórios em que o projeto atua:

Terra Indígena Karipuna

Localizado em Rondônia, o território é o que apresentava o maior aumento de desmatamento nas áreas protegidas do Estado, chegando a 11 mil hectares destruídos. Em abril, lideranças de 18 etnias manifestaram solidariedade aos Karipuna durante o I Encontro de Povos Indígenas de Rondônia, ao qual estivemos presentes.

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© Fernanda Ligabue / Greenpeace

As ameaças, a grilagem, o roubo de madeira e até mesmo a venda de lotes dentro da terra, homologada desde 1998, foram as principais motivações para que os Karipuna fizessem diversas denúncias dentro e fora do país, como em reuniões da Organização das Nações Unidas, em Nova Iorque e Genebra, em protesto em Berlim e durante o Sínodo da Amazônia, no Vaticano. A repercussão de tantas denúncias e os dados levantados pelo Greenpeace durante sobrevoos e imagens por satélites resultaram em operações de fiscalização e apreensão da Polícia Federal. Como consequência, em novembro de 2019, foi divulgada a diminuição de 25,3% no desmatamento registrado na TI Karipuna em relação ao ano anterior.

“Nossa participação no Sínodo da Amazônia é mais uma oportunidade de gritarmos ao mundo que a Constituição Federal e os direitos dos povos originários do Brasil precisam ser respeitados. É a vida de todo o planeta que está ameaçada e as pessoas precisam entender isso, antes que seja tarde demais.” Adriano Karipuna, liderança de seu povo.
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Mosaico Maranhense

O Maranhão é composto por diversas terras indígenas que também vêm enfrentando conflitos e invasões em seus territórios. Por isso, em julho e outubro, foram realizadas duas oficinas de monitoramento ambiental com os grupos de “Guardiões da Floresta” das oito terras indígenas em que o projeto atua. Os indígenas são capacitados a fortalecer o trabalho de monitoramento que já realizam, com o uso de tecnologias como GPS, câmeras e aplicativos digitais, técnicas de cartografia e navegação, além de articulação política. Organizadas pelo Greenpeace em parceria com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e o Instituto Makarapy, elas contaram com a participação de mais de 60 lideranças e foram realizadas nas terras indígenas Awá e Governador, respectivamente.

Imagens como prova

Já no início de agosto, outra formação audiovisual contou com a presença de 50 Guardiões, para que imagens de vídeo de violações de direitos possam ser utilizadas como prova jurídica. As atividades de monitoramento são necessárias pela extrema violência e tensão que existe na região. Um total de 42 Guajajara foram assassinados entre 2000 e 2018; sendo que nos últimos dez anos ocorreram 12 assassinatos somente da TI Arariboia. Infelizmente, no dia 1º de novembro, o guardião Paulo Paulino Guajajara, que participou das duas oficinas de monitoramento territorial, foi assassinado dentro de sua própria terra – Arariboia –, na região de Bom Jesus das Selvas. Outro guardião, Laércio Guajajara, foi baleado durante este atentado. A enorme repercussão que este assassinato teve, com a colaboração do Greenpeace em denunciá-lo tanto no Brasil como internacionalmente, fez com que o Estado brasileiro se comprometesse a investigar e punir os responsáveis.

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© Patrick Raynaud

PAE Lago Grande

Nos 252 mil hectares do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Lago Grande, na região de Santarém (PA), vivem 144 comunidades extrativistas, ribeirinhas e indígenas. Nos dias 15 e 16 de novembro, mais de 1.300 jovens das três regiões do PAE (Arapiuns, Arapixuna e Lago Grande) realizaram a I Romaria do Bem Viver, que promoveu um amplo debate entre os comunitários sobre a necessidade de proteger o território e o modo de vida tradicional dos que ali vivem secularmente. A Romaria foi organizada pela Pastoral da Juventude com diversas organizações locais e o Greenpeace.

Um grupo de 20 jovens fez o registro do evento em fotos e vídeos. Eles participaram de um conjunto de oficinas políticas que incluem duas formações em comunicação. Nestas, eles se apropriaram de conceitos teóricos e técnicas com o propósito de utilizar a comunicação como ferramenta para a luta em defesa da floresta e da vida em comunidade.

As visitas de campo na região também resultaram em estudos do nosso time de pesquisas sobre o PAE Lago Grande, como a Análise da Paisagem com Foco no Uso e Cobertura da Terra e o Diagnóstico Socioambiental e Econômico, que fornecem importantes subsídios para uma compreensão maior sobre a realidade deste território, tanto em relação aos impactos e ameaças como a aspectos bastante positivos sobre, por exemplo, o alto índice de preservação de florestas no PAE.

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Ilustração: Carlos Alves

Nós agradecemos de coração pelo que vocês têm feito pela juventude da nossa região, por acreditar na nossa luta, no nosso potencial e por estar sempre presente conosco nessa construção coletiva. Sabemos que o processo é lento, mas unidos conseguiremos defender nossa floresta e o modo de vida de nossos antepassados.Ian de Sousa Tavares, 19, da Aldeia Camará, um dos jovens envolvidos na organização da I Romaria do Bem Viver.
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