Políticas públicas: a resistência contra as ‘boiadas’
A pressão coletiva que organizamos contra as nocivas tentativas de mudanças e enfraquecimento nas leis ambientais rendeu vitórias em 2020. Atuando na mídia, no Congresso Nacional e na internet, foi possível segurar diversos retrocessos na gestão da terra e dos recursos naturais do país.
“Precisa ter um esforço nosso aqui (...) porque só se fala de Covid, e ir passando a boiada". A infame declaração do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi registrada na não menos famigerada reunião ministerial de 22 de abril de 2020. O significado da expressão era claro: o governo Bolsonaro iria aproveitar a mobilização nacional em torno do combate à pandemia para derrubar mecanismos legais de proteção ambiental, favorecendo mineradoras, madeireiras e latifundiários.
Em vários momentos ao longo do ano, mobilizamos a opinião pública para manter a “porteira fechada” e impedir a boiada de passar. Em reação à fala de Salles, publicamos um anúncio de página inteira nos três jornais de maior circulação nacional, em parceria com outras organizações como a WWF-Brasil, o Instituto Socioambiental e o Observatório do Clima. O anúncio defendia a saída imediata do ministro, diante de suas declarações inaceitáveis.
A resistência se expandiu para Brasília, centro da articulação entre o Greenpeace Brasil, movimentos de defesa dos indígenas e diversas organizações ambientalistas visando a derrubada do Projeto de Lei 191/2020. Apresentado ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo em fevereiro de 2020, o PL 191/2020 oficializaria a abertura de terras indígenas à mineração, à exploração de madeira e à agropecuária. O projeto foi apresentado sem discussão prévia com as comunidades indígenas potencialmente impactadas.
A pressão organizada sobre o então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e a repercussão negativa das consequências da aprovação do projeto na mídia brasileira e internacional atrasaram a votação do tema.
Outra vitória: a mobilização contra a Medida Provisória 910/2019, que estabelecia novos critérios para a regularização fundiária de imóveis da União e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Aprovada, a MP representaria na prática a legalização de ocupações ilegais e o afrouxamento da repressão à invasão de terras públicas.
A reação a essa outra “boiada” contou mais uma vez com a nossa participação ao lado de ambientalistas, movimentos sociais de trabalhadores rurais, entidades indígenas, ex-ministros do Meio Ambiente, artistas e ativistas de direitos humanos. Em abril de 2020, uma carta aberta, enviada pela Frente Parlamentar Ambientalista e assinada por mais de 130 organizações, pedia aos presidentes da Câmara e do Senado para que não encaminhassem a MP para votação em plenário. O adiamento fez com que a Medida Provisória perdesse a validade, e fosse convertido em projeto de lei. O então PL da Grilagem, como ficou conhecido, acabou sendo colocado à votação de forma atropelada pelo novo presidente da Câmara, Arthur Lira, e foi aprovado em agosto de 2021, apesar da intensa mobilização contrária da sociedade civil.
“Ao ser inimigo da participação social, o governo é inimigo da coletividade e governa para os setores que mais se beneficiam em curto prazo da desregulamentação da proteção ambiental, como o agronegócio, o setor imobiliário e o setor industrial."
Luiza Lima, assessora de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil